quinta-feira, 5 de março de 2009

INSPIRAR

Minha inspiração acabou por hoje
Talvez para sempre
(talvez não)

Só o molho de alho
Ou o muro de arrimo
— ou o laço do cadarço
Farão, amanhã
(talvez amanhã)
Valer a pena respirar

sábado, 3 de janeiro de 2009

PENSAMENTOS INCOMPLETOS — FRAGMENTO 003.7D9




...... iva, por isso não temos uma pista — uma nesga de tempo à vista, um mar nunca dantes navegado, um cágado lento e certo trazendo o desmembrar do tempo em suas patas enrugadas, o vento que nos traz os acasos e os perfumes de outros-centos.... ....live.. ......d'ág.... ...mast... .....sto. A chuva da tarde nos refresque sempre do que deveras arde, o pão nosso haja cada dia, ainda mais hoje; semeemos as nossas crenças assim como nós semeamos a quem nos tem infundido o preito de sermos quem somos: os pomos de Deus, os pombos nos céus — ágora de outroras, matriz de agoras — lendas vivas e compartilhadas da arte de querer-bem por f.......

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

PENSAMENTOS INCOMPLETOS — FRAGMENTO 0DB.7D7


.....ez não consiga sem tocal-o. Môço! ei môço! Por favor, accaso tens algum pão dormido? (Surpreso pela idea que se me veio de subito, posso preparar-me para realizar meu intento depois de traduzir a sucção essencial do objecto.) Olhas-me?, captas-me? Um pão dormido que seja, pois os meus não conseguem dormir — nem êlles nem essas coisas todas, ellas mesmas em volta de mim não dormem há muito tempo. E assim estou há dias; não os dias como colecção de horas, mas de annos que estou desperto por incapacidade de adormecer e que, por uma necessidade de immanencia, passam tão ràpidamente quanto um septimo humano de semmana. E então, môço, por alguma sorte nossas densidades de probabilidade se alçaram nalgum contacto sympathico? Tomara que eu, p.r D..s, consiga absorver de algo que já dormiu um pouco da tranqüillidade de não precisar acordar... Si o que te peço, môço, estiver a dormir, prometo esperar com êlle, nós dois, pela concomitancia de eventos oppostos: velarei inerme o seu somno sem confeito, aguardando o instante quasi polar em que o segrêdo expresso no seu despertar me regalará com a euhypnia cabal dos deuses minimos, fazendo-me transcender a consciencia já fôsca e rarefeita pela falta de lapso — destarte poderei quiçá finalmente falar outra vez a lingua que apprendi ainda no ventre, quando todo dialogo, ainda que manifesto, era soliloquio fluido e abundante.....

terça-feira, 10 de julho de 2007

PENSAMENTOS INCOMPLETOS — FRAGMENTO 0C0.7D7


.....sisto e não me incomodo a principio: basto-me estar apparado pelo lugar do corpo que será tocado para fazer-me chorar ao nascer, entrechocando-me com meus irmãos plurivitelinos. É evidente que todos gostariamos de saber a hora exacta de ir á luz e deixar de estar menos entregue, mas o utero que nos contém também nos confunde. A alternancia rhythmica no fado colectivo faz-me agarrar com mais força á placenta fria que se torna tepida ao sugar paulatinamente meu calor. Dentre meus irmãos tão grisalhos, birrentos e pouco violentos, há os que se perfumaram demais numa tentativa de mitigar alguma doença congenita, e também o chulé duma creança dysodiosa e um apetrêcho diplodermico que me atenaza o flanco. A cadella quadrada acaba de parir uma senhora – ella obedeceu ao signal idiossincratico aguardado por cada um, talvez a côr daquela virilha citadina onde se vêem agora uma risada e uma grade incompleta. A aversão da matriz ao decubito põe-na em movimento novamente e, nessas horas, todos fingem não sentir seus sonhos sugados até o coração psychopompo onde explodem por empathia (sei que alguns vêm até aqui tão-sòmente para essa dação mechanica de devaneios infructiferos). Mudando de foco o olhar, gr.ç.s a .....s, apesar de tudo meu corpo sente-se bem por ter sido resguardado do cansaço de carregar-se, e o omnibus gravido de mim trabalha seu parto expulsando-me no vazio conhecido bem guardado por um braço de concreto revestido por um cartaz de propaganda que diz “sou o que fodo”. Daqui, agora, vejo penoso e involuntario o tecido ethereo cerzido pelos olhares dos nascituros – perdidos, é verdade, pois parecem tentar lembrar-se de algo escripto que o suor lhes apagou das mãos tr......

quarta-feira, 11 de abril de 2007

GRÁFICO AUTOPSÍQUICO (+ interseções)


GRÁFICO AUTOPSÍQUICO
(a Fernando Pessoa)

Fingido em si mesmo escreve
O poeta fragmentado
Por dor tal que não se atreve
Tocar seu eu eclipsado.

O que cala sua poesia,
Pelo bem deles, refletem
Uma e outra imagem fria —
Dentro em si, sem cor, competem.

O caminho é torturante
Duplo círculo mal feito
Sem tamanho, sem quadrante,
Um pulsar fora do peito.


INTERSEÇÕES DESEJÁVEIS HOMENAGEANTES
(com Fernando Pessoa, ortônimo: "Autopsicografia")

I.

O poeta é um fingidor: fingido em si mesmo escreve;
Finge tão completamente o poeta fragmentado
Que chega a fingir que é dor, por dor tal que não se atreve,
A dor que deveras sente tocar seu eu eclipsado.

E os que lêem o que escreve, o que cala sua poesia,
Na dor lida sentem bem, pelo bem deles, refletem
Não as duas que ele teve, uma e outra imagem fria,
Mas só as que eles não têm dentro em si, sem cor, competem.

E assim nas calhas de roda o caminho é torturante:
Gira, a entreter a razão, duplo círculo mal feito
Esse comboio de corda sem tamanho, sem quadrante,
Que se chama coração um pulsar fora do peito.

II.

Fingido em si mesmo escreve — o poeta é um fingidor —
O poeta fragmentado finge tão completamente,
Por dor tal que não se atreve, que chega a fingir que é dor
Tocar seu eu eclipsado a dor que deveras sente.

O que cala sua poesia e os que lêem o que escreve
Pelo bem deles refletem; na dor lida sentem bem,
Uma e outra imagem fria — não as duas que ele teve
Dentro em si, sem cor, competem — mas só as que eles não têm.

O caminho é torturante e assim nas calhas de roda,
Duplo círculo mal feito gira, a entreter a razão,
Sem tamanho, sem quadrante, esse comboio de corda
Um pulsar fora do peito que se chama coração.




(Imagem de James Walsh in deviantArt)

quarta-feira, 4 de abril de 2007

GÊNESE

... não havia nada para ser aspirado, só o Vazio. Do Vazio foi criado o grande Nada, e o Nada era bom antes de tudo, antes do universo inteiro, quando só havia os deuses mínimos: o Pastor do Vínculo, a Cabra feliz e o Javali ranzinza. O Amor entre eles gerou o Acaso e o Devir. O Devir menino amordaçou o Acaso e a ausência de sua voz permitiu que o maldoso Javali obrigasse a Cabra a pastar o Nada. Revoltado, o Pastor fez com que o Javali comesse os dejetos da Cabra e, um dia, o Javali opressor vomitou o Universo inteiro. Do Acaso amordaçado nasceram as Possibilidades e, do Devir, o primeiro deus máximo. Tudo era feio e insano até que surgiram as Estrelas quentes. Eram tão lindas e brilhantes e bondosas que em meio a elas vagavam e brincavam todos os deuses máximos. Um deles, Samiavast, invejou a luz das estrelas e começou a sugá-la para si. Então nasceram as primeiras Estrelas frias. As Estrelas ficaram tão tristes que decidiram ir embora: das suas lágrimas nasceram a Compaixão e a Vingança. A elas foi confiada a tarefa de criar a Vida e reparar o dano causado às Estrelas frias. As duas se beijaram lascivamente e, num jorro de pó e beleza, nasceram sobre as Estrelas frias as primeiras criaturas vivas: o Globo pulsante e o Fio de átomos — uma grande festa para dois! E depois surgiram as lombrigas, as lacraias, as lampreias, as salamandras, as cobras, as gaivotas e as toupeiras. Por último, o Macaco Mestiço. Quando ele apareceu, a Vingança deu seu único sorriso; dele se desprendeu uma gota de saliva que virou o Grande Ovo sem Gema. Aquecido pela Compaixão, o Ovo teve sua casca rompida pela Vingança e dele nasceu a Fome. Sem lugar no Universo, a Fome achou morada no único lugar vazio: a Alma dentro dos Macacos. De lá de dentro, a Fome ensinou os Macacos Mestiços, os Vingadores, a fazer muitas coisas: o Fogo, a Roda, o Chicote e o Deus Encadernado. O Fogo foi usado para cozinhar a Natureza; o Chicote, para domar os inocentes; a Roda, para procurar o que domar; e o Deus Encadernado inventou o Pecado. Muitas maravilhas foram construídas pelo Macaco Mestiço, mas ele, com medo do Pecado, obrigava a Natureza a comer seus dejetos. Um dia a Natureza oprimida resolveu ir embora: devorou a luz da última Estrela quente e vomitou o Vazio no Universo.
As almas famintas dos Macacos então morreram porque ... não havia nada para ser aspirado, só o ...




(Imagem de Nortiker in deviantArt)

terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

PENSAMENTOS INCOMPLETOS — PREFACIO

......ssão de uma alma intensa, de maneiras bruscas e intenções firmes e duma candura latente apenas, ingenua no grau e determinante na fórma. Algo imperativo como "escreve-me" seria mutilação textual a partir de golpes advindos de laminas duma realidade muito pallida: para escrever sobre ti, meu espírito tem de estar brincando de roda com êlle mesmo, volutas chronicas com sua imagem no espelho até cahirem os dois entes no relvado, e olharem para as estrelas e vel-as rodando e toccando musica do céo. E hoje, querido amigo, sinto orbitar o que na alma há que póde escrever, e isso folga e se ri — dia de escrever. Deixo livres meus olhos correrem pelas lettras genicas dos teus poemas e percebo o enlace dos fios de sêda dum lindo verme autodemiurgo. Cada um desses traços polymericos se faz cuspide quando almêja a intenção propria e se vérga para dentro do seu casullo novamente, donde haverá de ejectar-se em direcção a outro nó. E é esse o som que fazes daí de dentro do casulo: a voz inaudivel de todos nós na sua garganta de lagarta que és, falando do ôvo e da cova, e do sino que toca durante o processo que leva de um a outro. Nós, aqui do outro lado, progressivamente inermes e entregues, pomo-nos a consumir os acetinados enlaces nodulares da poesia que te revestes com enzymas curiosas e lentas, e pouco a pouco vemos-te lá dentro, em metamorphose obvia e absurda. Neste ponto, a este grau, lemos-te: côres cambiantes de quem amadurece, cheiro impar de quem se dá a descobrir-se. E por isso te somos gratos e francos pelos versos brancos ou não, vernaculos ou solecisticos. Tanto e tantas v......